A relação intercontinental do Brasil com a Rússia, Índia, China e África do Sul no âmbito dos Brics é vista pela esquerda latino-americana como uma forma de disputar espaço com a hegemonia dos Estados Unidos no cenário mundial. Tal avaliação ficou clara durante o seminário “Brics e a América Latina”, realizado na quarta-feira 31, no primeiro dia da 19ª reunião do Foro de São Paulo, encontro de representantes de partidos políticos e de organizações não governamentais de esquerda da América Latina e Caribe, realizado em São Paulo.
Para Guilherme Patriota, irmão do chanceler Antonio Patriota e integrante da assessoria especial da Presidência da República, os Brics dão ao Brasil mais autonomia e poder de decisão no jogo político-econômico global. Patriota afirma que o grupo não busca confronto com ninguém, mas deseja uma reforma da ordem ‘global hierarquizada’ para criar uma situação de mais igualdade entre os países. “Em um momento de tamanhas incertezas, é importante um país como o Brasil se relacionar com todo mundo. Não podemos passar o resto da vida numa auto-limitação no relacionamento com o exterior”, afirmou Patriota,
O diplomata aponta que com esse agrupamento, o Brasil inicia um diálogo autônomo com países importantes em suas respectivas regiões e também em órgãos deliberativos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, onde a Rússia e a China têm assentos permanentes. “É importante ressaltar que para nós os BRICS não são uma proposta de formação de uma aliança militar, mas sim um mecanismo de coordenação muito importante para o fortalecimento da nossa diplomacia em negociações com países de maior ou menor afinidade. Os Brics são a afirmação do Brasil como nação”.
Cunhada em 2001 pelo chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sach’s, Jim O’Neill, a sigla Brics agrupou as maiores economias em desenvolvimento no mundo, a despeito de não serem um bloco econômico ou uma associação comercial formal. Somadas, as cinco economias representam mais de 21% do PIB mundial, 42% da população mundial e 45% da força de trabalho.
Mesmo com as baixas projeções relativas de crescimento individual para os próximos anos, sobretudo na China onde o “pouso suave” do produto interno bruto no último trimestre levantou preocupações, o grupo ainda desponta como tendo indivíduos com grande poder de consumo o que promove o investimento de grupos financeiros internacionais.
Para Ronaldo Carmona, membro da Comissão Internacional do PCdoB, o Brasil vive uma “guerra de posições”, na busca de alianças e movimentos que tornem o sistema internacional mais favorável ao projeto de desenvolvimento nacional. “Os Brics são uma aliança contra-hegemônica, porque esses países contestam o status quo”, afirmou durante o seminário.
Carmona destacou que há um problema evidente nessa busca de ascensão compartilhada: as fortes disparidades entre a economia brasileira e a de seus vizinhos no continente. “Para o Brasil, esse impulso de tornar o movimento internacional mais favorável passa pela dificuldade em criar condições a uma união sul-americana e na consequente inserção da América Latina, enquanto região, no mundo”, afirma. “A expectativa brasileira em relação à sua ascensão no cenário político-econômico mundial deve ser compartilhada, porque o contrário seria desastroso para o país.”
Resposta ao sistema
No dia 27 de março deste ano, durante a 5ª reunião de cúpula dos Brics, foi anunciada a criação do “Banco dos Brics”, que teria, na sua atribuição principal, incrementar o comércio entre os cinco países, inclusive trabalhando a criação de moedas especiais. A preocupação do grupo de se proteger da crise de outros países fez com que eles pensassem em criar um fundo de emergência de 100 bilhões de dólares para socorro mútuo. A expectativa é que durante a próxima reunião de cúpula, em Fortaleza, em 2014, o estatuto do banco possa ser oficializado.
“O Banco dos Brics tem um potencial extraordinário de desenvolvimento sobretudo dos países do Sul”, afirma Ronaldo Carmona. O membro do PCdoB aponta ainda que um desenlace do atual modelo financeiro encontra resistência dos países centrais, já que nenhuma potência aceita ceder o seu poder de maneira pacífica. “É por isso que a aliança dos Brics é frequentemente desqualificada. Mas o grupo tem revelado mais identidade do que diferenças em torno de um conjunto de pautas internacionais, o que fortalece sua ação.”
Essa intransigência das políticas monetárias dos países desenvolvidos foi tema da fala da senadora e líder sindical Dolores Padierna Luna, considerada uma das mulheres de maior destaque da vida pública mexicana, tendo fundado o Partido da Revolução Democrática em 1989. “Os Estados Unidos têm um plano para cada país. No caso dos Brics, conter o avanço da China, porque o país é uma potência exportadora com alta reserva de dólares, e o Brasil, que por muitos anos foi o principal sócio dos americanos. Mas Lula, quando assumiu o poder, adotou uma outra política, e construiu junto com a Venezuela, Cuba e Argentina uma região autônoma e com integração”, disse.
Conservar seu crescimento, para prescindir do dólar. Ampliar a integração, cooperação e financiamento na América Latina. Ser um bloco estruturado, com sua própria dinâmica que impacte positivamente toda a região. Essas são as medidas propostas por Dolores para substituir a influência dos EUA no subcontinente.
“Os Brics representam um novo paradigma da política mundial, eles estão à frente da reorganização do sistema mundial dos estados, e seu papel é definitivo. Há uma condição favorável para o surgimento de novos atores globais, novos polos de desenvolvimento. O jogo político está aberto”, define a senadora.
Também presentes na discussão, os representantes do Partido Comunista Chinês e do Partido Comunista Russo, Pan Mingtao e Leonid Kalashnikov, insistiram na cooperação entre os países para criar uma relação favorável e virtuosa, e na confiança do caminho do desenvolvimento compartilhado. “Os Brics devem, sobretudo, ajudar a harmonizar as relações internacionais”, disse Kalashnikov.
Os debates da 19ª edição do Foro de São Paulo continuam até o próximo domingo, 4 de agosto. Na sexta-feira 2, o ex-presidente Lula irá participar da abertura oficial do evento, em atividade na quadra do Sindicato dos Bancários, no centro da cidade, às 19h. Também são esperadas as presenças dos presidentes Nicolás Maduro, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia, que deve participar da cerimônia de encerramento.
Fonte: CARTA CAPITAL